Brincar Offline: os benefícios da interação entre criança e natureza
Atualizado: 15 de set. de 2022
Digitalização das brincadeiras, insegurança, pais super protetores; são diversos os fatores que poderiam ser listados aqui para tentar explicar o afastamento na relação entre as atividades lúdicas das crianças e o meio ambiente, mas focaremos aqui nos benefícios dessa interação.
É comum que as pessoas com idade maior que 30 anos, recordem e falem com um certo saudosismo das brincadeiras que povoaram as suas infâncias, antes da disseminação de tablets e smartphones.
De fato, os tempos eram outros, muita coisa mudou.
O instituto Alana, ONG que atua em programas que buscam a garantia de condições para a vivência plena da infância, traz a informação de que nos centros urbanos as crianças passam cerca de 90% do tempo em lugares fechados.
Durante a pandemia, por exemplo, muitos foram os desafios para manter as crianças brincando em segurança. A arte é uma grande aliada quando o assunto é infância, as brincadeiras, os jogos e as parlendas também, mas em que medida a relação entre as crianças e o meio ambiente pode auxiliar no desenvolvimento e na aprendizagem?
Brincadeiras offline em Aracaju: a experiência do Erê Ateliê
Em Aracaju, os professores Breno Nóbrega e Jaciara Duarte reuniram suas inquietações em relação à criação da própria filha, Dandara, e criaram o Erê Ateliê, um coletivo que colocou a mão na massa para oxigenar a relação entre pais, professores, crianças e meio ambiente.
“Percebíamos nas festas de crianças, quando acompanhávamos Dandara, que ali havia muito estímulo voltado ao consumo de presentes, as crianças veem na festa principalmente essa característica de um lugar onde se vai ganhar mais brinquedos, enfim, estimulam também o consumo exagerado de doces, etc. Então a gente pensou em criar uma alternativa a isso, uma festa de aniversário precisa ser também um lugar de afeto, de comemorar a vida daquela pessoa, para além de apenas reproduzir essa lógica do consumo e do acúmulo de brinquedos. A gente sabe que independente de você tá numa festa, dando banho na sua filha, ou levando para passear, tudo isso é já um processo educativo, daí nasce o Erê ateliê” é que nos diz Breno.
Quando convidados a participar desse bate-papo, Nóbrega sugeriu que nossa entrevista acontecesse numa praça do bairro Bugio, ao ar livre, sua companheira Jaciara Duarte não pôde estar presente, mas Dandara nos acompanhou até a praça, e lá, rapidamente, fez novas amizades.
“Criança não precisa de muita coisa, de muito objeto, de muito brinquedo, nesses casos o menos é mais, quanto menos ela tem - mais ela consegue criar autonomamente alternativas de brincar, e isso para elas é um salto de qualidade no desenvolvimento. Se ela não tem um brinquedo ela não vai ficar sem brincar, ela vai arranjar um galho e fazer disso parte da brincadeira, ressignificando aquele galho que é parte da natureza e foi dado a ela e ela cuida, preserva, protege, e aí eles brincam com tudo, pedra, um saco de plástico que vira uma pipa. Quanto menos você limita o brincar delas com brinquedos que servem para fins específicos, mais elas necessitam abstrair, e a imaginação das crianças, quando estimuladas não tem limites, elas vão para muito longe.”
Brincar nas grandes cidades
Outro dado bastante significativo do Instituto Alana é sobre o sentimento de insegurança. Segundo a ONG, mais de 80% da população brasileira vive em cidades e quase metade desse numero não se sente segura nestes locais.
Para Nóbrega isto é também um fator que agrava essa separação das crianças com o meio onde vivem:
“Para discutir sobre infância e meio ambiente a gente precisa também discutir o direito a cidade, já que grande parte da população vive em centros urbanos. Esse centro urbano é pobre desse contato com a natureza, então isso acaba limitando a experiência e a visão das crianças. Nos centros urbanos você tem primeiramente o medo, a insegurança, então cria-se uma cultura de que as crianças precisam estar em casa, protegidas, e essa realidade é muito propícia para o desenvolvimento das alternativas eletrônicas nas brincadeiras, é muito cômodo para esses pais que, em troca desse controle e dessa segurança oferecem um celular, um tablet, um videogame. E eles também não tem tanta culpa, são vitimas desses processos de insegurança que impossibilitam uma variedade maior de experiências com o mundo”, afirma Breno enquanto permanece atento à Dandara brincando no parquinho.
A educação é a possibilidade das experiências
O Erê ateliê possui já uma sede própria no bairro Aruana, zona sul de Aracaju, mas atua em escolas, aniversários, creches, comunidades, tudo com o intuito de levar essa proposta de outra espécie de interação das crianças com a cidade e com o meio ambiente.
Utilizam uma espécie de modo avião com as crianças, que as faz visitar com prontidão novas texturas, novas brincadeiras, novos estímulos, interação com a natureza, a possibilidade da falha, e tudo isso enquanto estão desplugadas de qualquer aparelho eletrônico.
“Nas atividades nós percebemos em grande maioria crianças ainda muito carentes de experiência, e isso sem dúvida cria um déficit de desenvolvimento. O meio ambiente estimula esse desenvolvimento, essa autonomia, ela vai aprendendo a calcular os riscos, o que é o subir na árvore, e o que é o cair da árvore. Tudo com bastante atenção da nossa parte, claro, mas dando liberdade também. Aí ela vai sentindo texturas novas, sabores novos, vai se arranhar um pouquinho, se sujar, etc. Hoje há uma tendência de uma criação “In vitro”, uma super proteção, uma exclusão quase que absoluta dos riscos, e essa criança não aprende a lidar com as frustrações, com a dor, com o erro, aí adquire insegurança, inclusive no que diz respeito a uma liberdade motora, não consegue se expressar, etc”
As consequências do afastamento entre criança e natureza
A informação é a maior aliada das boas práticas educativas. Segundo a ONG Criança e Natureza, na sua publicação Desemparedamento da infância, o afastamento entre as crianças e o meio ambiente em nossa época, configura-se como uma relevante crise da contemporaneidade.
Segundo a organização, sobretudo no ambiente urbano, onde essa separação é mais acentuada, as consequências são significativas: obesidade, hiperatividade, déficit de atenção, desequilíbrio emocional, baixa motricidade - falta de equilíbrio, agilidade e habilidade física - e miopia.
Brincar online também pode ser saudável?
A tecnologia e os brinquedos digitais instalam-se na rotina das crianças justamente enquanto a prioridade é mantê-los longe de outros riscos. Nóbrega nos elucida também que essa lógica funciona principalmente nas classes A e B.
Ele nos conta que na experiência com o projeto já visitou uma variedade de bairros distintos e percebe que em bairros mais periféricos as crianças lidam de modo mais natural com as experiências do Erê, é como se ainda houvesse ali resquícios dessa relação tão comum de curiosidade por parte das crianças para explorar os lugares onde vivem, o meio ambiente onde crescem.
Ele não vê a tecnologia como um problema se usada de maneira adequada, se não for a principal mediadora da interação dessas crianças com o mundo:
“Dandara também tem acesso a essas coisas todas, é claro, ela também se interessa, tem os amigos que brincam com isso, a gente não proíbe, o que a gente faz é possibilitar para ela, além disso, outros tipos de interação, de, por exemplo, tomar um banho de rio, de explorar um sítio, de vir na praça andar de patinete ou apenas brincar de correr com os amiguinhos que ela acaba de conhecer, enfim. O ato de educar é normalmente visto como apenas colocar limites a criança, a gente também delimita algumas coisas, mas isso precisa vir acompanhado de alternativas para as crianças, para que elas possam exercer também o seu senso crítico, para fazerem também suas próprias escolhas.”
O equilíbrio e a informação podem ser excelentes bússolas para lidar com a questão do Brincar no mundo contemporâneo, de fato muitas são as dúvidas e pouquíssimas são as certezas quando o assunto é a medida correta da utilização de equipamentos eletrônicos durante a infância.
Se você chegou até aqui e quer saber ainda mais sobre as brincadeiras nesses tempos conectados, confira esse outro artigo que preparamos sobre o Brincar nos dias atuais.
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